sexta-feira, 11 de setembro de 2015

MORRENDO UM POUCO A CADA DIA, VIVENDO UM POUCO A CADA MORTE!

Quisera eu me aventurar em uma descrição que tratasse única e exclusivamente de vida, em um relato que abordasse grandes conquistas sem sofrimentos, ou uma vivência repleta apenas de felicidade.
Quão bom seria tratar  de vida sem ter que destacar os pontos, as reticências e os parênteses sem fim. Digo isso levando a efeito o perplexo senso de realização pessoal que nos move. Ninguém se realiza na angustia (é o que podíamos pensar até esta leitura). Todos nós, esperamos por um amanhecer, no mínimo, repleto de saúde e bem estar.
Mas não é só de acertos que se constitui uma história, e da mesma forma, não são só de erros que se constitui um caminho trilhado. A vida é uma longa estratégia.

Trazemos conosco  todas as nossas falências, acomodadas, talvez,  no mesmo patamar dos  acertos. Sim, porque não haveríamos de nos envergonhar de todas as situações onde existimos (doce ilusão, pois no envergonhamos sim). Mas o conceito de existência que abordo aqui é bastante relativo, uma vez que nossas experiências nem sempre precederam nossas mortes. Em alguns casos, é notório que vamos morrendo aos poucos.

É claro que a morte que descrevo é uma alegoria representativa de uma angústia. Apesar do fato de que vamos sim morrendo aos poucos (se considerarmos que somos todos acometidos por uma maturidade migratória que se não atravessada, nos leva a morte de fato).

Todos nós temos memórias angustiantes, situações de grande dor. Em cada uma delas,  com certeza, deixamos um pouco do nosso vigor, das nossas expectativas e da nossa completude.

Algumas situações são tão traumáticas que delas não conseguimos sequer recordar. Dos piores traumas surgem as mais fortes prisões. Sensações dominadoras e opostas ao ritmo que pretendemos caminhar.  Os traumas, ou mortes, como os chamo aqui, não são cronológicos, mas atemporais. Não importa se na infância ou na vida adulta. Se passamos por uma experiência dolorosa cuja situação não encontrou representação em nosso aparelho psiquíco, certamente essa sensação voltará a cada experiência parecida com aquela do trauma, e nos acompanhará errantes, numa espécie de círculo vicioso, reféns de um comportamento altamente condenável mas ao mesmo tempo desejável, nos fazendo morrer e viver tal morte.

"Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero isso não faço, mas o que aborreço isso faço." (Rm 7:15).

A morte, tal qual estamos abordando, é um fenômeno subjetivo que ultrapassa as barreiras do nosso comportamento acontecendo prioritariamente dentro de nós.

O homem passa a morrer assim que descobre as ilusões da vida. A maturidade é um quebra de paradigmas sem possibilidade de retrocesso. Ilusões são na verdade aquilo que pretendem ser: Ilusões.

Vivemos em um sistema dominante que dita regras sobre como devemos nos comportar. As regras passam a ser internalizadas e produzem morte diante daquilo que acreditamos que deva morrer.

Tão contraditória essa nossa forma de existir. Tantas pessoas seguem assombradas pelo medo de não ser,  ajuntando todas as suas mortes, e sem entender repudiam a vida, fazendo de sua história uma sinfonia de lamentos.

Dar os ombros à moral é uma forma de morrer por fora. Negociar  valores com a morte é uma forma de se auto afirmar. Resta saber o que sobra a partir de então. Uma das piores mortes, consideramos, é aquela produzida por nós mesmos.  Vejamos na parábola do filho pródigo os exemplos de vida e morte:

"E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente.
E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades." (Lucas 15:13,14).

O filho pródigo, na ânsia por viver, gastar seus bens vivendo sem controle. Ele rompe com a conduta sistemática e decreta morte à vivência de bom filho e bom moço, se lançando diante do seu desejo.

Quantas pessoas vivem como ele, anseando por tudo que delimita o alcance das vistas. O problema do filho pródigo não foi, em um primeiro momento, a sua decisão em se ausentar daquele modelo de vida tradicional, mas sim, a mudança das circunstâncias daquela terra, fazendo como que tudo se tornasse efêmero. Assim, o jovem que havia decretado morte ao modelo de bom moço herdeiro, se vê diante da morte eminente de seus projetos.

A vivência da morte nos delimita a uma conduta divergente daquela que tínhamos até então.

"E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho." (Lucas 15:21).

Notem que o filho, mesmo intentando voltar a casa de seu pai, pede benevolência para assumir a posição de empregado, pois certamente trazia de volta consigo, suas vivências de morte. Não lhe cabia mais ser filho, nem, tão pouco rico, apenas servo (posição inédita).

De uma forma muito parecida, o outro filho também experiencia sua morte ao constatar a redenção recebida por seu irmão. Ele suscita, talvez, traumas e complexos  decorrentes da relação paternal e evidencia no momento mais oportuno toda a morte que trazia consigo.

 "E saindo o pai, instava com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos;
Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou os teus bens com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado." (Lucas 15:29,30).

Duro entrave se formou para o filho obediente, uma vez que em sua obediência este estava a morrer.

Enquanto um retorna desacreditado de si, após dar vazão as suas pulsões, outro revive a maioria de suas mortes, diante de algo que sempre esteve ao seu alcance mas nunca fora vivenciado.

Sorte para o jovem errante que alcançou perdão mesmo caminhando diante de seus fracassos. Azar para o filho obediente que nunca transgrediu, porém não soube possuir os méritos que lhe cabiam.

Ninguém vive uma única morte.

Minha aposta é que todas as nossas falências tendem a perder significado diante Daquele que venceu a morte.

Cristo nos ensina que o caminho não se finda quando termina, e que para cada insucesso há um grandioso aprendizado.
Jesus venceu a morte e gratuitamente compartilha de sua vitória, Ele nos faz morrer novamente para o destino que se firmara: A sentença de uma vida vazia e sem significado.
Por mais que possamos viver cercado de mortes, em Cristo, nenhuma delas jamais haverá de nos levar a inércia.

Mesmo não chegando inteiro onde estamos, carregaremos em nossas mortes a certeza de que existimos sobre todas elas.

Ele me ensinou, e eu o segui. Não sou como Ele é, mas também não sou quem eu era. Domino todas elas.

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